O direito da mulher a um acompanhante em atendimentos de saúde: garantia legal ou 'cortesia' dos médicos e hospitais?
- Dr. Walter Manuel

- 5 de out. de 2024
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O direito à saúde, amplamente assegurado pela Constituição Federal, transcende o mero acesso aos serviços médicos. Ele abarca a maneira como tais serviços são prestados, garantindo a dignidade, a segurança e a autonomia dos usuários. Para as mulheres, a legislação infraconstitucional oferece proteções específicas, destacando-se o direito a um acompanhante durante consultas, exames e procedimentos médicos, garantido pela Lei nº 11.108/2005 e recentemente ampliado pela Lei nº 14.737/2023.
Embora frequentemente tratado como "cortesia dispensável" por médicos e instituições de saúde, esse direito se consolidou como uma proteção legal inalienável, parte de um esforço maior para humanizar os atendimentos e assegurar a autonomia da mulher em contextos de saúde.

O que prevê a legislação?
Consoante o disposto no artigo 19-J da mencionada legislação, é garantido a toda mulher o direito de ser acompanhada por uma pessoa maior de idade durante todo o atendimento em unidades de saúde, sejam estas públicas ou privadas, independentemente de aviso prévio. A escolha do acompanhante é exclusiva da paciente, que poderá, na impossibilidade de manifestar sua vontade, ser representada por seu representante legal.
É imprescindível que o acompanhante respeite o sigilo das informações de saúde às quais tiver acesso.
Em situações que impliquem qualquer forma de sedação ou rebaixamento de consciência, caso a paciente não tenha indicado um acompanhante, a norma legal estabelece que a unidade de saúde deverá designar um profissional de saúde para acompanhá-la. A escolha deve recair preferencialmente sobre uma profissional do sexo feminino, e não poderá haver custos adicionais para a paciente. Vale ressaltar que a mulher tem a prerrogativa de recusar essa indicação e solicitar a presença de outra pessoa, não sendo obrigada a apresentar justificativa para essa decisão, que deve ser documentada.
Ademais, é crucial destacar que, em atendimentos realizados em centros cirúrgicos ou unidades de terapia intensiva, com restrições relacionadas à segurança ou à saúde dos pacientes, devidamente justificadas pelo corpo clínico, somente será admitido acompanhante que possua formação profissional na área da saúde.
Além disso, é fundamental que a equipe médica registre todos os eventos relevantes em documentação específica, garantindo a transparência e a rastreabilidade das ações realizadas. Este registro deve incluir, entre outros aspectos, a descrição detalhada das intervenções realizadas, a identificação dos profissionais envolvidos, a situação clínica da paciente e as razões que justificaram as decisões tomadas.
A relevância para a mulher
O direito ao acompanhante vai além da mera presença física de uma pessoa de confiança. Ele representa uma proteção essencial, especialmente em momentos de vulnerabilidade, como procedimentos cirúrgicos, consultas ginecológicas ou exames invasivos. A presença de um acompanhante proporciona segurança emocional e psicológica à paciente, fortalecendo sua confiança no tratamento e resguardando sua dignidade.
Infelizmente, ainda existem muitos relatos de desrespeito a esse direito. Em algumas unidades de saúde, seja por desconhecimento ou por falhas estruturais, as mulheres não são sequer informadas sobre essa prerrogativa, nem convidadas a assinar um termo em caso de renúncia. Isso configura uma violação não apenas da legislação, mas também do direito fundamental à autonomia da mulher.
Além disso, observamos um aumento significativo de denúncias de abusos e desrespeitos às prerrogativas do corpo feminino durante procedimentos hospitalares. É importante ressaltar que, embora a maioria dos profissionais atue de maneira ética e respeitosa, a presença de um acompanhante é crucial para auxiliar aquelas que já enfrentam dificuldades de confiança, traumas anteriores ou receios relacionados ao ambiente hospitalar. Ter um acompanhante nesses momentos críticos não se limita a proporcionar conforto; trata-se de uma salvaguarda essencial contra possíveis abusos e de uma forma de assegurar maior segurança emocional.
É imprescindível que todos os pacientes confiram atentamente todos os documentos que lhes são apresentados antes de assiná-los, assegurando-se, no caso das mulheres, de que não há qualquer menção à renúncia desse direito sem seu pleno conhecimento. Mesmo existindo uma renúncia anterior, as pacientes devem estar cientes de que, a qualquer momento durante o procedimento, têm o direito de exigir a presença de um acompanhante. Caso não haja um acompanhante conhecido disponível, poderão requerer a presença de outra pessoa de sua escolha para acompanhá-las.
Médicos e gestores hospitalares: desafios e responsabilidades
Os profissionais de saúde, em especial os médicos, desempenham um papel crucial na efetivação do direito ao acompanhante. O desconhecimento das atualizações legais e a falta de capacitação contínua constituem fatores que contribuem para o descumprimento dessa norma. Ademais, questões como preconceito médico, em que a presença de acompanhantes é "desencorajada" por ser considerada uma possível interferência no atendimento, representam desafios persistentes em muitas instituições. Essa cultura de desconfiança prejudica não apenas a experiência do paciente, mas também pode resultar em danos à sua saúde mental e emocional.
É de responsabilidade dos gestores hospitalares promover a educação continuada sobre o direito ao acompanhante, assegurando que toda a equipe de saúde esteja ciente de suas obrigações e responsabilidades. A legislação, nesse contexto, serve como uma salvaguarda importante para os médicos, que devem estar cientes não apenas de seus direitos e prerrogativas, mas também dos direitos de seus pacientes. Essa conscientização é fundamental para a construção de um ambiente de trabalho mais colaborativo e respeitoso.
Além disso, é essencial que a informação seja claramente transmitida às pacientes, permitindo que elas façam escolhas informadas sobre sua saúde e seu corpo. A transparência na comunicação é um pilar que fortalece a relação entre os profissionais de saúde e os pacientes, promovendo um atendimento de qualidade e maior satisfação.
Os médicos devem exigir que as instituições em que laboram contem com uma equipe jurídica adequada, bem como uma junta específica para solucionar eventuais dúvidas emergenciais. Essa estrutura de suporte é vital para a proteção de todos os envolvidos no atendimento, permitindo que se concentrem em sua função primordial: cuidar do paciente.
Ademais, um atendimento que respeita os direitos dos pacientes contribui para a construção de uma reputação sólida e confiável, essencial para a fidelização dos usuários dos serviços de saúde, reduzindo a incidência de complicações e processos jurídicos, além de aumentar a eficácia do tratamento.
É fundamental que pacientes, hospitais e médicos busquem orientação jurídica sempre que houver dúvidas acerca dos direitos assegurados na legislação. Para as mulheres que se sentirem desrespeitadas em seus direitos, a consulta a um advogado pode ser um passo decisivo para garantir a proteção de seus interesses e a responsabilização dos envolvidos. O fortalecimento da consciência sobre esses direitos e a disposição para buscar assistência legal são essenciais para a construção de um sistema de saúde mais justo e humano.

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